CAPÍTULO 2 - VERSO 61
tāni sarvāṇi saṁyamya
yukta āsīta mat-paraḥ
vaśe hi yasyendriyāṇi
tasya prajñā pratiṣṭhitā
yukta āsīta mat-paraḥ
vaśe hi yasyendriyāṇi
tasya prajñā pratiṣṭhitā
Palavra por palavra:
Tradução:
Aquele
que restringe seus sentidos, mantendo-os sob completo controle, e fixa
sua consciência em Mim, é conhecido como um homem de inteligência
estável.
Significado:
SIGNIFICADO Neste verso, fica claro que a concepção mais elevada da perfeição da yoga é
a consciência de Kṛṣṇa. E se a pessoa não for consciente de Kṛṣṇa, não
lhe será absolutamente possível controlar os sentidos. Como foi citado
acima, o grande sábio Durvāsā Muni teve um desentendimento com Mahārāja
Ambarīṣa, e devido ao orgulho, Durvāsā Muni acabou se zangando à toa, e
portanto não pôde controlar os sentidos. Por outro lado, o rei, embora
não fosse um yogī tão poderoso como o sábio, mas um simples
devoto do Senhor, tolerou calado todas as injustiças do sábio e por isso
saiu vitorioso. O rei foi capaz de controlar os sentidos por causa das
seguintes qualificações, mencionadas no Śrīmad-Bhāgavatam (9.4.18-20):
sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayor
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
mukunda-liṅgālaya-darśane dṛśau
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
pādau hareḥ kṣetra-padānusarpaṇe
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottamaśloka-janāśrayā ratiḥ
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottamaśloka-janāśrayā ratiḥ
“O
rei Ambarīṣa fixou sua mente nos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, ocupou
suas palavras em descrever a morada do Senhor, suas mãos em limpar o
templo do Senhor, seus ouvidos em ouvir os passatempos do Senhor, seus
olhos em ver a forma do Senhor, seu corpo em tocar o corpo do devoto,
suas narinas em cheirar o aroma das flores oferecidas aos pés de lótus
do Senhor, sua língua em saborear as folhas de tulasī oferecidas a
Ele, suas pernas em viajar para o lugar santo onde Seu templo está
situado, sua cabeça em oferecer reverências ao Senhor, e seus desejos em
cumprir os desejos do Senhor... e todas estas qualificações fizeram-no
apto a tornar-se um devoto mat-para do Senhor.”
A palavra mat-para é muito importante neste contexto. Estudando a vida de Mahārāja Ambarīṣa, aprendemos como tornar-nos mat-para. Śrīla Baladeva Vidyābhūṣaṇa, um grande erudito e ācārya na linha mat-para, assinala que mad-bhakti-prabhāvena sarvendriya-vijaya-pūrvikā svātma-dṛṣṭiḥ sulabheti bhāvaḥ. “Só
iremos controlar os sentidos por completo à força do serviço devocional
a Kṛṣṇa.” Também às vezes se dá como exemplo o fogo. “Como o fogo
ardente queima tudo dentro de uma sala, o Senhor Viṣṇu, situado no
coração do yogī, queima todas as espécies de impurezas.” O Yoga-sūtra também prescreve meditação em Viṣṇu, e não meditação no vazio. Os pretensos yogīs que
meditam em algo diferente de Viṣṇu simplesmente desperdiçam seu tempo
numa busca inútil de alguma fantasmagoria. Temos de ser conscientes de
Kṛṣṇa — devotados à Personalidade de Deus. Esta é a meta da verdadeira yoga.
CAPÍTULO 6 - VERSO 18
yadā viniyataṁ cittam
ātmany evāvatiṣṭhate
nispṛhaḥ sarva-kāmebhyo
yukta ity ucyate tadā
ātmany evāvatiṣṭhate
nispṛhaḥ sarva-kāmebhyo
yukta ity ucyate tadā
Palavra por palavra:
yadā — quando; viniyatam — particularmente disciplinadas; cittam — a mente e suas atividades; ātmani — na transcendência; eva — decerto; avatiṣṭhate — situa-se; nispṛhaḥ — sem desejo; sarva — por todas as espécies de; kāmebhyaḥ — gozo dos sentidos materiais; yuktaḥ — bem situado em yoga; iti — assim; ucyate — diz-se que é; tadā — nesse momento.
Tradução:
Quando
o yogī, pela prática da yoga, disciplina suas atividades mentais e se
situa em transcendência — desprovido de todos os desejos materiais —
diz-se que ele está bem estabelecido em yoga.
Significado:
SIGNIFICADO As atividades do yogī distinguem-se
daquelas de uma pessoa comum pela maneira característica de ele refrear
todas as espécies de desejos materiais — entre os quais se destaca o
sexo. O yogī perfeito está tão bem disciplinado nas atividades da
mente que já não pode ser perturbado por nenhum tipo de desejo
material. Esta fase de perfeição pode ser atingida automaticamente por
quem está em consciência de Kṛṣṇa, como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (9.4.18-20):
sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayor
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
mukunda-liṅgālaya-darśane dṛśau
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
pādau hareḥ kṣetra-padānusarpaṇe
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottama-śloka-janāśrayā ratiḥ
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottama-śloka-janāśrayā ratiḥ
“O
rei Ambarīṣa antes de tudo ocupou sua mente nos pés de lótus do Senhor
Kṛṣṇa; então, ele consecutivamente ocupou suas palavras em descrever as
qualidades transcendentais do Senhor; suas mãos em limpar o templo do
Senhor; seus ouvidos em ouvir as atividades do Senhor; seus olhos em ver
as formas transcendentais do Senhor; seu corpo em tocar os corpos dos
devotos; seu sentido olfativo em cheirar os aromas das flores de lótus
oferecidas ao Senhor; sua língua em saborear as folhas de tulasī oferecidas
aos pés de lótus do Senhor; suas pernas em caminhar aos lugares de
peregrinação e ao templo do Senhor; sua cabeça em oferecer reverências
ao Senhor; e seus desejos em cumprir a missão do Senhor. Todas essas
atividades transcendentais são deveras condizentes com um devoto puro.”
Esta
etapa transcendental talvez nem seja mencionada nas opiniões emitidas
pelos seguidores do caminho impersonalista, mas se torna muito fácil e
prática para alguém em consciência de Kṛṣṇa, como evidência esta
descrição das ocupações de Mahārāja Ambarīṣa. Se a mente não se fixa nos
pés de lótus do Senhor através da lembrança constante, estas ocupações
transcendentais não são práticas. No serviço devocional ao Senhor,
portanto, tais atividades prescritas chamam-se arcana, ou ocupar
todos os sentidos no serviço ao Senhor. Os sentidos e a mente precisam
de ocupação. A simples abnegação não é prática. Portanto, para as
pessoas em geral — especialmente para aquelas que não estão na ordem de
vida renunciada — a ocupação transcendental dos sentidos e da mente como
se descreve acima é o processo perfeito para o sucesso transcendental,
que se chama yukta no Bhagavad-gītā.
CAPÍTULO 9 - VERSO 2
rāja-vidyā rāja-guhyaṁ
pavitram idam uttamam
pratyakṣāvagamaṁ dharmyaṁ
su-sukhaṁ kartum avyayam
pavitram idam uttamam
pratyakṣāvagamaṁ dharmyaṁ
su-sukhaṁ kartum avyayam
Palavra por palavra:
rāja-vidyā — o rei da educação; rāja-guhyam — o rei do conhecimento confidencial; pavitram — o mais puro; idam — este; uttamam — transcendental; pratyakṣa — através de experiência direta; avagamam — compreendido; dharmyam — o princípio da religião; su-sukham — muito feliz; kartum — executar; avyayam — perpétuo.
Tradução:
Este
conhecimento é o rei da educação, o mais secreto de todos os segredos. É
o conhecimento mais puro, e por conceder uma percepção direta do eu, é a
perfeição da religião. Ele é eterno e é executado alegremente.
Significado:
SIGNIFICADO Este capítulo do Bhagavad-gītā
é chamado o rei da educação porque é a essência de todas as doutrinas e
filosofias já explicadas. Entre os principais filósofos da Índia estão
Gautama, Kaṇāda, Kapila, Yājñavalkya, Śāṇḍilya e Vaiśvānara. E também
Vyāsadeva, o autor do Vedānta-sūtra. Logo, não há escassez de
conhecimento no campo de filosofia ou conhecimento transcendental.
Agora, o Senhor diz que este Nono Capítulo é o rei de todo este
conhecimento, a essência de toda a instrução que pode ser derivada do
estudo dos Vedas e dos diferentes tipos de filosofia. É o mais
confidencial porque o conhecimento confidencial ou transcendental
envolve a compreensão da diferença entre alma e corpo. E o rei de todo o
conhecimento confidencial culmina no serviço devocional.
De
um modo geral, não se ensina este conhecimento confidencial; há apenas
educação do conhecimento convencional. Quanto à instrução comum, as
pessoas envolvem-se em tantos departamentos: política, sociologia,
física, química, matemática, astronomia, engenharia, etc. Existem muitos
departamentos de conhecimento espalhados pelo mundo, e muitas
universidades colossais, mas infelizmente não há nenhuma universidade ou
instituição educacional onde se ensine a ciência da alma espiritual. No
entanto, a alma é a parte mais importante do corpo; sem a presença da
alma, o corpo não tem valor algum. Mesmo assim, as pessoas dão grande
ênfase às necessidades físicas da vida, e não se importam com a alma
vital.
O Bhagavad-gītā, especialmente do
Segundo Capítulo em diante, realça a importância da alma. Logo no
começo, o Senhor diz que este corpo é perecível e que a alma não é
perecível (antavanta ime dehā nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ). Esta é uma
parte confidencial do conhecimento: saber apenas que a alma espiritual é
diferente deste corpo e que tem natureza imutável, indestrutível e
eterna. Porém, isso não dá informação positiva sobre a alma. Às vezes,
as pessoas têm a impressão de que a alma é diferente do corpo e que
quando o corpo acaba, ou quando a pessoa se libera do corpo, a alma
permanece no vazio e torna-se impessoal. Mas esta não é a realidade dos
fatos. Como pode a alma, que é tão ativa dentro deste corpo, ficar
inativa depois de liberar-se do corpo? Ela é sempre ativa. Se é eterna,
então é eternamente ativa, e suas atividades no reino espiritual são a
parte mais confidencial do conhecimento espiritual. Portanto, indica-se
aqui que estas atividades da alma espiritual são o rei de todo o
conhecimento, a parte mais confidencial de todo o conhecimento.
Este conhecimento é a forma mais pura de todas atividades, como explica a literatura védica. No Padma Purāṇa, analisam-se
as atividades pecaminosas do homem e mostra-se que elas são o resultado
de pecados consecutivos. Aqueles que se ocupam em atividades fruitivas
estão enredados em diferentes fases e formas de reações pecaminosas. Por
exemplo, quando se planta a semente de uma determinada árvore, a árvore
não parece crescer imediatamente; leva algum tempo. Primeiro, nasce um
broto que depois assume a forma de árvore; em seguida, ela floresce e dá
frutos, e, quando está completa, quem a semeou desfruta de suas flores e
frutos. De modo semelhante, um homem executa um ato pecaminoso, e, como
uma semente, leva tempo para este ato frutificar. Há diferentes etapas.
Talvez o indivíduo tenha parado de cometer a ação pecaminosa, mas os
resultados ou o fruto desta ação pecaminosa ainda não foram
experimentados. Há pecados que ainda estão em forma de semente, e há
outros que já amadureceram e estão dando fruto, que é experimentado como
miséria e dor.
Como foi explicado no vigésimo oitavo
verso do Sétimo Capítulo, quem eliminou por completo as reações de
todas as atividades pecaminosas e ocupa-se plenamente em atividades
piedosas, liberando-se da dualidade deste mundo material, passa a
prestar serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Em
outras palavras, aqueles que estão realmente ocupados no serviço
devocional ao Senhor Supremo já se liberaram de todas as reações. O Padma Purāṇa confirma esta declaração:
aprārabdha-phalaṁ pāpaṁ
kūṭaṁ bījaṁ phalonmukham
krameṇaiva pralīyeta
viṣṇu-bhakti-ratātmanām
kūṭaṁ bījaṁ phalonmukham
krameṇaiva pralīyeta
viṣṇu-bhakti-ratātmanām
Para
aqueles que se ocupam no serviço devocional à Suprema Personalidade de
Deus, todas as reações pecaminosas — frutificadas, armazenadas, ou em
forma de semente — desaparecem aos poucos. Portanto, a potência
purificadora do serviço devocional é muito forte e chama-se pavitram uttamam, a mais pura. Uttama significa transcendental. Tamas significa este mundo material ou escuridão, e uttama
significa aquilo que é transcendental às atividades materiais. As
atividades devocionais nunca devem ser consideradas materiais, embora às
vezes tenha-se a impressão de que os devotos estão ocupados como homens
comuns. Aquele que consegue ver e que está familiarizado com o serviço
devocional saberá que tais atividades não são materiais, mas sim
espirituais e devocionais, não estando contaminadas pelos modos da
natureza material.
Está dito que a execução do
serviço devocional é tão perfeita que se podem perceber diretamente os
resultados. Pode-se perceber o resultado proveniente, e temos
experiência prática de que, ao cantar os santos nomes de Kṛṣṇa (Hare
Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma
Rāma, Hare Hare), não cometendo ofensas ao cantar, a pessoa sente um
prazer transcendental e em breve purifica-se de toda a contaminação
material. Isto é um fato comprovado. Ademais, se ele se ocupa não só em
ouvir, mas também em tentar difundir a mensagem das atividades
devocionais, ou se empenha em ajudar as atividades missionárias da
consciência de Kṛṣṇa, pouco a pouco experimenta progresso espiritual.
Este aperfeiçoamento na vida espiritual não depende de nenhum tipo de
instrução ou qualificação anterior. O próprio método é tão puro que é
possível purificar-se pelo simples fato de ocupar-se nele.
O Vedānta-sūtra (3.2.26) também descreve isto com as seguintes palavras: prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt.
“O serviço devocional é tão poderoso que a iluminação ocorre pelo
simples fato de ocupar-se em suas atividades, e quanto a isto não há
dúvidas.” Um exemplo prático disso pode ser tirado da vida anterior de
Nārada, que era então o filho de uma criada. Ele não tinha instrução,
nem nascera em família elevada. Mas quando sua mãe se ocupava em servir a
grandes devotos, Nārada também os servia, e às vezes, na ausência de
sua mãe, ele os servia sozinho. Nārada pessoalmente diz:
ucchiṣṭa-lepān anumodito dvijaiḥ
sakṛt sma bhuñje tad-apāsta-kilbiṣaḥ
evaṁ pravṛttasya viśuddha-cetasas
tad-dharma evātma-ruciḥ prajāyate
sakṛt sma bhuñje tad-apāsta-kilbiṣaḥ
evaṁ pravṛttasya viśuddha-cetasas
tad-dharma evātma-ruciḥ prajāyate
Neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam
(1.5.25), Nārada descreve a seu discípulo Vyāsadeva a sua vida
anterior. Ele diz que, quando jovem, se associou intimamente com devotos
puros ao servi-los durante a sua permanência de quatro meses ali. Às
vezes, aqueles sábios deixavam restos de comida, e o menino, que lavava
seus pratos, quis provar esses restos. Então, pediu permissão aos
grandes devotos, e quando eles deram, Nārada comeu aqueles restos e,
como resultado, livrou-se de todas as reações pecaminosas. Por comer
estes restos ele chegou a ficar tão puro de coração quanto os sábios.
Ouvindo e cantando, os grandes devotos saboreavam o gosto do incessante
serviço devocional ao Senhor, e Nārada pouco a pouco desenvolveu o mesmo
gosto. Na continuação, Nārada diz:
tatrānvahaṁ kṛṣṇa-kathāḥ pragāyatām
anugraheṇāśṛṇavaṁ manoharāḥ
tāḥ śraddhayā me ’nupadaṁ viśṛṇvataḥ
priyaśravasy aṅga mamābhavad ruciḥ
anugraheṇāśṛṇavaṁ manoharāḥ
tāḥ śraddhayā me ’nupadaṁ viśṛṇvataḥ
priyaśravasy aṅga mamābhavad ruciḥ
Associando-se
com os sábios, Nārada tomou gosto em ouvir e cantar as glórias do
Senhor e desenvolveu um desejo intenso de prestar serviço devocional.
Portanto, como se descreve no Vedānta-sūtra, prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt: só por se ocupar em atos do serviço devocional, tudo se revela automaticamente, e pode-se compreender tudo. Isto se chama pratyakṣa, percebido diretamente.
A palavra dharmyam
significa “o caminho da religião”. Nārada era, na verdade, o filho de
uma criada. Ele não teve oportunidade de ir à escola. Ele apenas ajudava
sua mãe que afortunadamente prestava serviço aos devotos. O menino
Nārada também teve a oportunidade e através da simples associação,
conseguiu a meta mais elevada de toda a religião, que é o serviço
devocional, como se declara no Śrīmad-Bhāgavatam (sa vai puṁsāṁ paro dharmo yato bhaktir adhokṣaje).
De um modo geral, as pessoas religiosas não sabem que a perfeição
máxima da religião é executar o serviço devocional. Como já discutimos
com relação ao último verso do Oitavo Capítulo (vedeṣu yajñeṣu tapaḥsu caiva),
para se alcançar a auto-realização, é necessário o conhecimento védico.
Mas aqui, embora Nārada nunca tivesse ido à escola do mestre espiritual
e não tivesse recebido instruções sobre os princípios védicos, ele
obteve os maiores resultados concedidos pelo estudo védico. Este
processo é tão poderoso que, mesmo sem executar regularmente o método
religioso, pode-se alcançar a perfeição máxima. Como isto é possível? A
literatura védica também o confirma: ācāryavān puruṣo veda. Quem se associa com grandes ācāryas, mesmo que não seja instruído ou nunca tenha estudado os Vedas, pode se familiarizar com todo o conhecimento necessário para obter a compreensão espiritual.
O processo do serviço devocional é muito agradável (su-sukham). Por quê? O serviço devocional consiste em śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ, assim, pode-se simplesmente ouvir cantar as glórias do Senhor ou presenciar os ācāryas
autorizados fazerem conferências filosóficas sobre o conhecimento
transcendental. Apenas sentado pode-se aprender; depois, comem-se os
restos do alimento oferecido a Deus, que consiste em belos pratos
saborosos. Em todos as etapas, o serviço devocional é alegre. Pode
executar serviço devocional mesmo quem vive na penúria. O Senhor diz que
patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam: Ele está disposto a aceitar do
devoto qualquer tipo de oferenda, não importa o quê. Até mesmo uma
folha, uma flor, um pedaço de fruta ou um pouco dágua, que são todos
disponíveis em qualquer parte do mundo, podem ser oferecidos por qualquer
pessoa, independentemente de sua posição social, e serão aceitos se
oferecidos com amor. Há muitos exemplos na história. Pelo simples fato
de saborear as folhas de tulasī oferecidas aos pés de lótus do
Senhor, grandes sábios como Sanat-kumāra tornaram-se devotos grandiosos.
Portanto, o processo devocional é muito agradável, e pode ser executado
alegremente. Deus só aceita o amor com que se Lhe oferecem as coisas.
Afirma-se
aqui que este serviço devocional existe eternamente. Não é como alegam
os filósofos māyāvādīs. Embora eles às vezes, do ponto de vista externo,
adotem o serviço devocional, sua idéia é que, enquanto não forem
liberados, continuarão seu serviço devocional, mas no fim, quando se
liberarem, eles “se tornarão unos com Deus”. Esse serviço devocional
temporário oportunista não é aceito como serviço devocional puro. O
verdadeiro serviço devocional continua mesmo após a liberação. Quando
vai para o planeta espiritual no reino de Deus, lá também o devoto
ocupa-se em servir o Senhor Supremo. Ele não tenta se tornar uno com o
Senhor Supremo.
Como mostrará o Bhagavad-gītā, o verdadeiro serviço devocional começa após a liberação. Após a liberação, quando se situa na posição Brahman (brahma-bhūta), a pessoa passa a executar serviço devocional (samaḥ sarveṣu bhūteṣu mad-bhaktiṁ labhate parām). Ninguém pode compreender a Suprema Personalidade de Deus executando isoladamente karma-yoga, jñāna-yoga, aṣṭāṅga-yoga ou qualquer outra yoga. Através desses métodos ióguicos, pode-se fazer um pequeno progresso rumo à bhakti-yoga, mas, sem chegar à etapa do serviço devocional, ninguém pode compreender o que a Personalidade de Deus é. O Śrīmad-Bhāgavatam
também confirma que, quando alguém se purifica executando o processo do
serviço devocional, especialmente ouvindo as almas realizadas
comentarem o Śrīmad-Bhāgavatam ou o Bhagavad-gītā, pode então compreender a ciência de Kṛṣṇa, ou a ciência de Deus. Evaṁ prasanna-manaso bhagavad-bhakti-yogataḥ.
Quando o coração se limpa de todos os absurdos, então, pode-se
compreender o que é Deus. Logo, o processo de serviço devocional, da
consciência de Kṛṣṇa, é o rei de toda a instrução e o rei de todo o
conhecimento confidencial. É a forma mais pura de religião, e não há
dificuldade alguma em executá-lo alegremente. Por isso, todos devem
adotá-lo.
CAPÍTULO 11 - VERSO 55
mat-karma-kṛn mat-paramo
mad-bhaktaḥ saṅga-varjitaḥ
nirvairaḥ sarva-bhūteṣu
yaḥ sa mām eti pāṇḍava
mad-bhaktaḥ saṅga-varjitaḥ
nirvairaḥ sarva-bhūteṣu
yaḥ sa mām eti pāṇḍava
Palavra por palavra:
mat-karma-kṛt — ocupado em fazer Meu trabalho; mat-paramaḥ — considerando-Me o Supremo; mat-bhaktaḥ — ocupado em Meu serviço devocional; saṅga-varjitaḥ — livre da contaminação de atividades fruitivas e da especulação mental; nirvairaḥ — sem um inimigo; sarva-bhūteṣu — entre todas as entidades vivas; yaḥ — aquele que; saḥ — ele; mām — a Mim; eti — vem; pāṇḍava — ó filho de Pāṇḍu.
Tradução:
Meu
querido Arjuna, aquele que se ocupa em Meu serviço devocional puro,
livre das contaminações das atividades fruitivas e da especulação
mental, que trabalha para Mim e faz de Mim a meta suprema de sua vida, sendo amigo de todos os seres vivos — com certeza virá a Mim.
Significado:
SIGNIFICADO
Quem quer se aproximar da suprema de todas as Personalidades de Deus,
no planeta Kṛṣṇaloka no céu espiritual, e ter um relacionamento com a
Suprema Personalidade, Kṛṣṇa, deve aceitar esta fórmula, conforme
enunciada pelo próprio Supremo. Por isso, este verso é considerado a
essência do Bhagavad-gītā. O Bhagavad-gītā é um livro
dirigido às almas condicionadas, que se ocupam no mundo material com o
propósito de assenhorear-se da natureza e que não têm conhecimento da
verdadeira vida, a vida espiritual. O Bhagavad-gītā serve para
mostrar como alguém pode entender sua existência espiritual e sua
relação eterna com a suprema personalidade espiritual, ensinando-lhe
como voltar ao lar, de volta ao Supremo. Este é o verso que explica com
clareza o processo pelo qual alguém pode obter sucesso em sua atividade
espiritual: o serviço devocional.
Quanto ao trabalho, devemos transferir toda a nossa energia para atividades conscientes de Kṛṣṇa. Como se afirma no Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.2.255):
anāsaktasya viṣayān
yathārham upayuñjataḥ
nirbandhaḥ kṛṣṇa-sambandhe
yuktaṁ vairāgyam ucyate
yathārham upayuñjataḥ
nirbandhaḥ kṛṣṇa-sambandhe
yuktaṁ vairāgyam ucyate
Homem nenhum deve trabalhar em nada que não esteja relacionado com Kṛṣṇa. Isto se chama kṛṣṇa-karma.
Ele pode ocupar-se em várias atividades, mas não deve apegar-se ao
resultado de seu trabalho; o resultado deve ser entregue nas mãos de
Kṛṣṇa. Por exemplo, talvez alguém esteja ocupado em negócios, mas para
tornar esta atividade consciente de Kṛṣṇa, ele deve fazer negócios em
prol de Kṛṣṇa. Se Kṛṣṇa é o proprietário do negócio, então, é Kṛṣṇa que
deve desfrutar o lucro deste negócio. Se um homem de negócios possui
milhares e milhares de dólares, e se ele tem que oferecer tudo isso a
Kṛṣṇa, ele pode adotar esse procedimento. Semelhante trabalho é para
Kṛṣṇa. Em vez de construir um grande edifício para o prazer de seus
sentidos, ele pode construir um majestoso templo para Kṛṣṇa, instalar a
Deidade de Kṛṣṇa e organizar o serviço à Deidade, como se descreve nos livros autorizados sobre o serviço devocional. Tudo isso é kṛṣṇa-karma. Ninguém deve apegar-se ao resultado de seu trabalho, mas deve oferecer o resultado a Kṛṣṇa, e todos devem aceitar como prasādam os
restos das oferendas feitas a Kṛṣṇa. Se alguém constrói um edifício
enorme para Kṛṣṇa e instala a Deidade de Kṛṣṇa, ele não está proibido de
morar lá, mas é bom que se saiba que o dono desta propriedade é Kṛṣṇa.
Isto se chama consciência de Kṛṣṇa. No entanto, se o devoto não é capaz
de construir um templo para Kṛṣṇa, ele pode ocupar-se em limpar o templo
de Kṛṣṇa; isto também é kṛṣṇa-karma. Pode-se cultivar um jardim. Qualquer um que tenha terra — pelo menos na Índia, qualquer homem pobre tem uma certa quantidade de terra — pode utilizá-la para Kṛṣṇa, produzindo flores que serão oferecidas a Ele. Podem-se semear plantas de tulasī, porque as folhas de tulasī são muito importantes e no Bhagavad-gītā Kṛṣṇa nos aconselha a respeito disso. Patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam.
Kṛṣṇa deseja que Lhe ofereçam folhas, flores, frutas ou água — e Ele
fica satisfeito com essa oferenda. Esta folha refere-se especialmente à tulasī. Assim, pode-se semear tulasī e
regar a planta. Portanto, até o homem mais pobre pode ocupar-se no
serviço a Kṛṣṇa. Estes são alguns exemplos de como alguém pode ocupar-se
em trabalhar para Kṛṣṇa.
A palavra mat-paramaḥ refere-se
a quem considera a associação com Kṛṣṇa em Sua morada suprema como a
mais elevada perfeição da vida. Tal pessoa não deseja elevar-se aos
planetas superiores como a Lua e o Sol, ou outros planetas celestiais,
ou mesmo o planeta máximo deste Universo, Brahmaloka. Ele não sente
atração a isso e só se interessa em transferir-se para o céu
espiritual. E mesmo no céu espiritual, ele não se satisfaz em imergir na
refulgência reluzente do brahmajyoti, pois quer entrar no
planeta espiritual mais elevado, ou seja, Kṛṣṇaloka, Goloka Vṛndāvana.
Ele tem pleno conhecimento deste planeta, e por isso não se interessa
por nenhum outro. Como o indica a palavra mad-bhaktaḥ, o devoto
se ocupa no serviço devocional pleno, especificamente nos nove processos
de atividades devocionais: ouvir, cantar, lembrar, adorar, servir aos
pés de lótus do Senhor, oferecer orações, cumprir as ordens do Senhor,
fazer amizade com Ele e entregar-Lhe tudo. Ele pode ocupar-se em todos
os nove processos devocionais, ou em oito, sete, ou pelo menos um, e isto com certeza o tornará perfeito.
O termo saṅga-varjitaḥ é
muito significante. Devemos afastar-nos daqueles que são contra Kṛṣṇa.
Não só os ateus são contra Kṛṣṇa, mas também o são aqueles que ficam
atraídos para as atividades fruitivas e para a especulação mental.
Portanto, o Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.1.11) faz a seguinte descrição do método de serviço devocional puro:
anyābhilāṣitā-śūnyaṁ
jñāna-karmādy-anāvṛtam
ānukūlyena kṛṣṇānu-
śīlanaṁ bhaktir uttamā
jñāna-karmādy-anāvṛtam
ānukūlyena kṛṣṇānu-
śīlanaṁ bhaktir uttamā
Neste
verso, Śrīla Rūpa Gosvāmī afirma claramente que, se alguém quer
executar serviço devocional imaculado, ele deve estar livre de todas as
espécies de contaminação material. Ele deve evitar a companhia de
pessoas apegadas a atividades fruitivas e especulação mental. O serviço
devocional puro começa quando o devoto, livre dessa associação
indesejada e da contaminação dos desejos materiais, cultiva
favoravelmente o conhecimento acerca de Kṛṣṇa. Ānukūlyasya saṅkalpaḥ prātikūlyasya varjanam (Hari-bhakti-vilāsa 11.676).
Deve-se pensar em Kṛṣṇa e ficar do lado de Kṛṣṇa, e não contra Ele.
Kaṁsa era um inimigo de Kṛṣṇa. Desde o comecinho, no nascimento de
Kṛṣṇa, Kaṁsa traçou muitos planos para matá-lO, e porque ele era sempre
malsucedido, vivia pensando em Kṛṣṇa. Assim, enquanto trabalhava,
enquanto comia e enquanto dormia, ele estava sempre consciente de
Kṛṣṇa em todos os aspectos. Porém, esta consciência de Kṛṣṇa não era
favorável, e por isso, embora pensasse sempre em Kṛṣṇa vinte e quatro
horas por dia, ele é considerado um demônio, e Kṛṣṇa acabou matando-o. É
claro que qualquer um que é morto por Kṛṣṇa alcança a salvação
imediata, mas esta não é a meta do devoto puro. O devoto puro nem mesmo
quer a salvação. Ele não quer transferir-se nem mesmo ao planeta mais elevado, Goloka Vṛndāvana. Onde quer que ele esteja, seu único objetivo é servir a Kṛṣṇa.
O devoto de Kṛṣṇa é amigo de todos. Portanto, aqui se diz que ele não tem inimigos (nirvairaḥ).
Como é que acontece isto? O devoto em consciência de Kṛṣṇa sabe que só o
serviço devocional a Kṛṣṇa pode aliviar alguém de todos os problemas da
vida. Ele tem experiência pessoal disso, e portanto quer introduzir
este sistema da consciência de Kṛṣṇa na sociedade humana. Na história,
há muitos exemplos de devotos do Senhor que arriscaram suas vidas para
difundirem a consciência de Deus. O exemplo preferido é o Senhor Jesus
Cristo. Ele foi crucificado pelos não-devotos, mas ele sacrificou sua
vida para difundir a consciência de Deus. É óbvio que seria superficial
entender que ele foi morto. Igualmente, na Índia também há muitos
exemplos, tais como µhākura Haridāsa e Prahlāda Mahārāja. Por que
correr esse risco? Porque eles queriam espalhar a consciência de Kṛṣṇa, e
isso é difícil. Quem é consciente de Kṛṣṇa sabe que as pessoas sofrem
porque se esqueceram de sua eterna relação com Kṛṣṇa. Portanto, o maior
benefício que se pode prestar à sociedade humana é aliviar nosso vizinho
de todos os problemas materiais. Por isso, o devoto puro ocupa-se no
serviço do Senhor. Assim podemos imaginar o quanto Kṛṣṇa é
misericordioso para com aqueles que se ocupam em Seu serviço, arriscando
tudo por Ele. É certo que, depois de abandonarem o corpo, tais pessoas
devem alcançar o planeta supremo.
Em resumo, a forma
universal de Kṛṣṇa, que é uma manifestação temporária, e uma forma do
tempo que devora tudo, e mesmo a forma de Viṣṇu, de quatro mãos, foram
todas manifestadas por Kṛṣṇa. Logo, Kṛṣṇa é a origem de todas essas
manifestações. Ninguém deve pensar que Kṛṣṇa é uma manifestação da viśva-rūpa original, ou de Viṣṇu. Kṛṣṇa é a origem de todas as formas. Há centenas e milhares de Viṣṇus, mas para o devoto a única forma de Kṛṣṇa que é importante é a forma original, o Śyāmasundara de duas mãos. No Brahma-saṁhitā afirma-se
que aqueles que, com amor e devoção, se apegam a Kṛṣṇa sob a forma de
Śyāmasundara podem vê-lO sempre dentro do coração e não conseguem ver
nada mais. Portanto, deve-se compreender que o significado deste Décimo Primeiro Capítulo é que, a forma de Kṛṣṇa é essencial e suprema.
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